terça-feira, 10 de abril de 2018

às Portas da Fantasia

Esse livro foi uma compra fácil. Contos, meu tipo de leitura favorita, de Robert Bloch e Ray Bradburry, dois autores de quem eu gosto do trabalho. O organizador do livro, Kurt Singer, é um total desconhecido pra mim, mas ele fez um excelente trabalho ao selecionar contos da Weird Tales Magazine - pelo que pude notar, todos os contos vieram de lá.

Apesar de ser, teoricamente, um apanhado de contos de ficção científica (pelo menos é o que diz na capa brasileira), Às Portas da Fantasia é uma coletânea de contos de terror e horror.

São, ao todo, dez contos, quatro de Bradbury (Um Delírio Metaléptico, apesar de estar creditado à Bloch no índice, na verdade é de Bradbury) e seis de Bloch.

Os quatro contos de Bradbury são completamente desbalanceados. Enquanto O Morto simplesmente parece deslocado dentro do livro, sendo mais uma viagem filosófica do que qualquer outra coisa, Os Microespiões e Delírio Metaléptico são bons contos, exatamente dentro do que se espera dentro da narrativa do autor - eles criam tensão ao longo da história e apresentam um final bem amarrado e eficiente. Bradbury pra quem gosta de Bradbury. Já O Manipulador... Eu jamais imaginei algo tão absolutamente sombrio como esse conto vindo de Bradbury. Definitivamente material de pesadelos!

Enquanto os contos de Bradbury trazem elementos de horror com temas psicológicos, Bloch trabalha com elementos folclóricos mais tradicionais do terror. Os Títeres se Vingam traz uma revisão contemporânea do mito judaico do Golem, A Vez do Lobo é uma história sobre lobisomens com a dose certa de vísceras, sangue e reviravoltas inesperadas, A Maldição dos Druidas trabalha com maldições ancestrais e Uma Questão de Regulamentos cria uma divertidíssima narrativa ao redor da bruxa que faz pactos com o demônio.

Dois dos contos, no entanto, merecem um pouco mais de atenção por lidarem com um folclore que hoje pode ser considerado clássico, o Horror Cósmico. Sim, estamos falando de Chutullu Mythos aqui.

Eu, honestamente, não sabia que Robert Bloch era parte do Lovecraft Circle e foi com certa surpresa que comecei a ler O Campanário das Trevas por conta da quantidade de informações contidas ali que saíram de contos de Lovecraft. De fato, o próprio Lovecraft é uma personagem do livro! Depois de ler a história, fui atrás de mais informações. Acontece que, pra além de descobrir que Bloch era membro do Lovecraft Circle, descobri uma parte ainda mais interessante (eu diria na verdade excitante!) com relação à essa história:

Acontece que, em 1935, influenciado pelas histórias de Lovecraft, Bloch resolveu experimentar um pouco na área do Horror Cósmico e escreveu o conto The Shamlbler from the Stars. Nele, um investigador descobre que as histórias contidas nos contos de Lovecraft não são apenas fantasias malucas, mas sim baseadas em "coisas reais". Um ano mais tarde, Lovecraft escreveu um conto que dava continuidade à narrativa, The Haunt of the Dark, onde ele inclui um tal Robert Blake, baseado em Bloch (Block, Blake, do you got it?) como narrador da história. Acontece que O Campanário das Trevas é a terceira parte dessa história, lhe servindo como final. Além disso, há uma enorme quantidade de referências à outras histórias Lovecraftianas no conto: Nephren-Ka é mencionado no conto The Ousider, e o Trapezoedro Cintilante é mencionado em Whisper in the Dark e At the Montain of Madness. Além disso, os Homens-Serpente de Valusia tiveram acesso ao Trapezoedro Cintilante, o que cria uma ligação inegável entre as histórias de Kull (e portanto do cenário de Robert E. Howard) com os Mythos.

O Campanário das Trevas é muito bem escrita, criando um clima claustrofóbico e deixando o leitor num clima de tensão permanente. Certamente vou procurar os dois primeiros contos e então voltar à ler esta história! Tenho certeza que vai valer a pena!

Finalmente, O Vampiro Zombeteiro (tradução extremamente infeliz de The Grinning Ghoul) apresenta mais uma história fortemente ligada aos Mythos, mas aqui de forma, digamos, mais sutil, através de referências à vários livros, personagens e entidades de outros contos de Lovecraft (como os livros De Vermis Mysteriis, Fábulas de Nysrlatotep e o próprio Necronômicon, além de entidades como Primaz Saboth e Byagoona). O conto tem uma estrutura clássica dos contos Lovecraftianos: Um profissional equilibrado confrontado com uma verdade que não pode compreender. É o tipo de conto que qualquer fã de Lovecraft vai gostar muito!

fora um conto meio desencontrado, às Portas da Fantasia é uma excelente coletânea de horror e terror.  Contos com temas clássicos e aquela pitada de horror cósmico que deixa o prato mais saboroso de ser apreciado!

Leitura fortemente recomendada!