sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Farenheit 451

Farenheit 451 é a temperatura em que papel entra em combustão. Essa é uma das poucas coisas que lembro bem do filme de François Truffaut. Claro, lembro da linha geral do filme, da loucura de ver bombeiros queimando coisas (eram livros, basicamente, mas eles queimavam as casas junto) e guardo na memória com muito prazer as cenas finais do filme, com os Homens dos Livros lendo, em meio à árvores, aquelas obras nas quais eles deveriam se tornar.

Quando vi o filme, há... Não sei, 20 anos atrás, talvez... Nem
tinha idéia que ele tinha sido baseado em um livro. Também nunca fui particularmente interessando em pesquisar o conjunto da obra de um autor - quem companha o Café com Letra sabe que eu leio muito livro ruim! Eu basicamente escolho livros de forma semi-aleatória: Se nenhum autor que eu já tenha gostado está a disposição, eu escolho um livro qualquer pelo nome ou (mais comumente) pela ilustração da capa. Obviamente, isso já gerou várias frustrações...

De fato, quando cheguei na Montecristo, coisa de um mês e meio atrás, e o Oscar me disse que haviam livros novos de ficção científica, admito que fiquei um tanto quanto surpreso ao encontrar o que eu achei ser uma novelização do filme de 1966. Claro, imaginei isso por uma fração de segundo, até ver que o autor era Ray Bradbury, o que, repentinamente, criou uma inversão de fatores na idéia: Obviamente o filme que eu tinha assistido tanto tempo antes era uma adaptação do livro (e sim, é exatamente isso).

Lembrava pouco do filme, pra ser honesto. Apesar de guardar ele na memória com um certo carinho, por ser um dos primeiros filmes de ficção científica que eu assisti - não era muito fã de filmes, preferindo desenhos animados antigos (SPAAAACE GHOOOOOST!)  pra passar o tempo. Eu tinha começado a ler HQs na época, e só lia os famigerados infanto-juvenis da Coleção Vaga-Lume. Pois é.

Eu e minha mania de derivar!


Como eu dizia, não lembrava muita coisa do filme, além da sensação de desamparo do protagonista e do sentimento de absurdo com a relação dos bombeiros e o fogo, completamente revertida.

Abri o livro, na verdade, com curiosidade pra ver até onde minha memória estava "em dia" e pra ter uma idéia de quanto do livro tinha sido modificado no filme.

Há, de fato, diversas diferenças - essa edição da Globo, apesar da capa tenebrosa, desenhada provavelmente pela filha do cara que fez a tradução (estou pensando honestamente em recapar o livro antes de colocar na prateleira, porque, caralho, é uma capa muito feia!) trás um posfácio (e mais dois apêndices, um do próprio Bradbury falando sobre críticas que recebeu sobre o livro e reiterando a importância da integridade do autor em suas escolhas, sejam elas boas ou ruins e uma espécie de... "livro de exercícios" sobre a obra, penso que voltado para estudantes, que provavelmente será mutilada durante a recapagem do livro) que fala, entre outras coisas, sobre as diferenças entre o livro, o filme, a peça (sim, tem uma peça!) e o jogo (sim, tem um jogo!!!).

(Aviso aos navegantes que, adiante, vão haver REVELAÇÕES SOBRE A TRAMA enquanto falo sobre as diferenças entre as mídias! Haverá um aviso onde as revelações sobre a trama terminam, então aqueles que não tiverem lido o livro ou assistido o filme e não quiserem surpresas estragadas, ignorem os próximos dois parágrafos e vão pro final da postagem, ok?)

Uma das coisas que me chamou atenção no livro foi a súbita morte de Clarisse, uma personagem que, no filme, eu lembrava de ter um pepel maior - de fato, eu tinha a impressão que ela, de certa forma, manipulava Montag pra que ele se tornasse um Homem dos Livros e deixasse os bombeiros. Claro, isso pode, perfeitamente, ser uma peça pregada pela minha memória ruim e pelo longo tempo que se passou desde que assisti o filme. Passei, de fato, a maior parte do livro esperando que ela surgisse novamente, talvez como uma alegoria à fênix, e que a "morte" dela, muito mal explicada, fosse apenas um engodo. Bradbury nos conta, em um dos apêndices, que esse desejo de manter Clarisse viva se concretiza tanto no filme quanto na peça, e que, em um dado momento, ele mesmo pensou em reescrever o livro também, pra manter ela viva, mas decidiu respeitar a integridade da obra. Clarisse é, realmente, uma personagem apaixonante, e sua perda repentina e tão sem nexo (como a morte muitas vezes realmente é na vida real, alias) é quase incompreensível tanto para Montag quanto para o leitor. Mas essa perda torna o sentimento de solidão, presente em todo o livro, ainda mais pronunciado, o que é definitivamente um mérito.

Outra coisa que gostei muito de ler no posfácio diz respeito a peça: nela, foi incluída uma cena onde Montag e Beatty, seu chefe nos bombeiros, têm um diálogo na casa de Beatty em que ele mostra sua biblioteca particular. Ele possui centenas de livros, que ele nunca leu! O diálogo entre eles explica porque Beatty entrou pros bombeiros e como diabos ele sabe tantas citações de livros! Apesar de, durante a leitura, eu ter deduzido algo assim com relação à ele, uma cena explicando seu ódio profundo pelos livros e também seu conhecimento sobre o assunto criam uma camada bastante interessante no personagem - subjetiva, no livro, e passível de várias interpretações ou ainda uma certa estranheza com relação à ele, na verdade. A inclusão dessa cena , mesmo que apenas no posfácio, torna a obra um pouco mais completa.

*** FIM DAS REVELAÇÕES SOBRE A TRAMA! ***

No fim, o livro é um excelente reflexo da nossa contemporaneidade, com as pessoas enfiadas em seus celulares, tablets, laptops e kindreds (ou algo assim, sei lá), incapazes de terem uma conversa com alguém, ao vivo, sem ficar remexendo o tempo todo em suas irritantes coisinhas eletrônicas. Essa alienação, essa incapacidade de se libertar das informações eletrônicas, apesar de retratadas de forma bastante diferentes no livro - onde Bradbury imaginou que a TV seria a vilã, como ele poderia saber, lá em 1953, que o futuro ainda traria os terríveis celulares e seus aparentados? - é extremamente visceral nos dias de hoje. E, de fato, esse é um livro que fala, acima de tudo (ao menos pra mim) sobre solidão e isolamento. Ao longo da trama, Montag vai se tornando cada vez mais solitário, num mundo onde as pessoas já estão isoladas umas das outras pela mídia. É interessante observar a perda de tudo ao longo do caminho que ele percorre, até o final, extremamente amargo (no meu entender) em uma cavalgada de solidão quase completa pela maior parte do livro, onde os outros (poucos) personagens não parecem realmente presentes, com exceção de Clarisse.

De fato, o grande "problema" do livro é ser muito curto. Eu esperava um desenvolvimento maior da trama com os Homens dos Livros. É claro, eu fui parcialmente ludibriado pelas 20 páginas de apêndices do livro, e esperava que a trama ainda fosse se desenvolver, quando o final repentinamente se apresenta desembocando no posfácio. Me pareceu que muitas questões relevantes são deixadas em aberto no livro. O que pra alguns é ruim, e pra outros (eu incluso) é ótimo. Permite que a imaginação do leitor trabalhe pra preencher as pequenas lacunas e que cada um escreva seu próprio "o que aconteceu depois" - eu pessoalmente poderia escrever um livro sobre "o que aconteceu depois"!

Esse livro me acertou em cheio, da primeira página até a última. É excelentemente bem escrito, tem uma trama com quantidades imensas de reflexões possíveis e uma idéia central fantástica! Leitura fortemente recomendada!

Em tempo: Não coloquei a tenebrosa capa do livro na postagem, de propósito. Preferi a capa do filme de Truffaut, pelo qual tenho um apego sentimental, e algumas ilustrações (que foram catadas pela internet, não são minhas) evocativas.

Sim, a capa é horrível acreditem em mim. Talvez algumas coisas devessem, realmente, ser queimadas, afinal de contas...



sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Os Dias Futuros

Antes de falar sobre o livro em si, eu gostaria de fazer uma crítica (e deixar um aviso) à coleção Argonauta. Pra além da grafia errada do autor nessa capa (Arthur tem hagá [e eu sempre vou escrever hagá errado porque acho um contrassenso o nome da letra não incluir a própria letra] apesar do horror que, aparentemente os lusitanos têm com relação à grafias estrangeiras) foi deixado de fora dessa pequena coleção de contos aquele que foi o único que Clarke, em sua introdução, faz um comentário entusiástico (e deixa o leitor ávido para ler). Recentemente, descobri que em As Vozes de Marte, de Bradbury, foram deixados de fora não um, mas quatro contos, incluindo o que, no original (I Sing the Body Electric) dá nome ao livro! Absurdo dos absurdos literários, amputar dessa forma uma obra, a coleção Argonauta me decepcionou de tal forma com isso que certamente esse será o penúltimo livro dela que lerei (penúltimo porque já tenho, comprado, outro livro da mesma coleção, que adquiri junto com este que resenho agora, o supracitado livro do Ray Bradbury  e mais dois livros de A. E van Vogt, como alias já tinha apontado quando resenhei o Vozes de Marte).

Dito isso, vamos ao livro!

Os Dias Futuros é um livro de contos (onze nessa versão lusitana, doze no original) apanhados de de revistas que originalmente os publicaram entre 1937 e 1955 - o livro foi publicado originalmente em 1973, e traduzido e mutilado em 1985. 

Apesar do título (originalmente The Best of Arthur Clarke. Que coisa, lusitanos!) nem todos os contos são sobre o futuro - alguns, de fato, sequer têm personagens humanos o que torna impossível coloca-los em qualquer ponto do tempo. Na verdade, eles não possuem nenhuma lógica explícita entre si. Alguns falam sim de futuros possíveis, alguns são narrados por extra-terrestres em um tempo indeterminado e Pancada na Tola, um continho de duas páginas, na verdade não possui qualquer conteúdo mensurável! 

Os contos no entanto são todos ótimos (bom, Pancada na Tola na verdade é inclassificável em qualquer nível, pelo menos pra mim). Em comum, de fato, todos têm uma característica compartilhada: Finais inesperados. Alguns trazem alguma informação de arrepiar a espinha na última frase (como em O Despertar e A Estrela) outras causam uma reviravolta completa na história no último parágrafo (caso de Segunda Alvorada [apesar de eu precisar admitir que não compreendi completamente o conto OU seu final, mesmo tendo lido ele duas vezes] e Esconder e Procurar) outras te fazem abrir um sorriso diante de um chiste extremamente espirituoso (como em Viage por Fio! e Lição de História) e outras te convidam à fechar o livro e refletir sobre a sensação da viagem que tu terminou de empreender (como é o caso de A Sentinela e Abandonado). 

Particularmente, considero O Despertar de um horror legitimamente Lovecraftiano como poucas coisas que li fora da obra do criador do Chutulhu, enquanto Segunda Alvorada me deu várias idéias inspiradoras (que eu creio que acabarão por permitir que eu escreva, ao menos, um conto) enquanto tanto A Sentinela quanto Esconder e Procurar são duas daquelas obras que, se eu fosse um quadrinista,  eu definitivamente transportaria pra HQ  só pelo prazer. 

Uma versão integral, que inclua Death and the Senator, o conto decepado dessa versão lusitana, é leitura fortemente recomendada! Claro que, considerando que provavelmente tal obra só exista em inglês, e que nem todos consideram esse idioma exatamente acessível, a versão desfalcada da coleção Argonauta é uma alternativa absolutamente adequada.

(e se alguém souber da existência de uma versão integral, traduzida ou no original, vagando por aí sem rumo, por favor, enviem ela pra cá!)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Momentos Dopller

Existem alguns momentos na vida que tu sabe que perdeu alguma coisa. Não um objeto, não, não. Não é disso que eu estou falando. Estou falando de perder coisas importantes. chamemos de "oportunidades", por falta de termo melhor - porque, afinal, nem sempre perdemos oportunidades, e não há como saber se eram realmente oportunidades aqueles momentos que perdemos, já que, bom... Eles se perderam.

Tá dando pra acompanhar...?

Bom, existem esses momentos em que, por qualquer razão que seja - covardia, indecisão, hesitação, teimosia, orgulho - tu simplesmente perde um "momento". Coisa semelhante à "L'esprit d'escalier" mas não necessariamente uma resposta espirituosa que chega tardia, mas sim uma ciência de que um determinado momento podia ter tido uma resolução diferente. De fato, essa consciência de erro geralmente me bate no mesmo momento em que eu cometo a ação errada, ou com aspenas uns segundos de demora (suficientes apenas pra não haver mais volta).

Esse "momento dopller" como vou chamar (eu podia chamar de momento Schrödinger, mas estou num espírito mais físico, hoje), é, basicamente, aquele momento em que uma resposta diferente de ação causa uma variação universal, uma bifurcação de realidade que cria uma variação universal onde a linha normal de tempo segue normalmente (com a consciência de quer tu cometeu um "erro" e deixou passar uma oportunidade sem volta) e uma segunda linha de realidade, em que tu escolheu por algum motivo tomar o outro caminho e agir de forma diferente, agindo sobre o momento dopller e criando uma nova linha de realidade (onde a consciência da escolha diferente é irrelevante e portanto desconsiderada ou "não lebrada"). Alguns desses momentos encerram mortos dentro de um caixão, mas a maioria, por sorte, é bem mais leve do que isso - apesar de, como os supracitados caixões, me acompanhar desconfortavelmente por um longo tempo, ou mesmo pelo resto da minha vida.

Imagino que todas as pessoas passam por isso. E, claro, não tenho como saber.

Hoje, passei por um momento como esse. E, graças há algumas cervejas a mais, resolvi escrever um pouco sobre o assunto - afinal, porque não? As vezes é bom escrever alguma coisa diferente de resenhas de livros, afinal! Como eu disse uma vez, "(...)  textos autorais vão aparecer com mais frequência. Talvez um conto, uma experiência pessoal (...)". 

Voltando à vaca fria: É engraçado perceber o quanto um "oi" poderia mudar tantas coisas - ou não. Aqueles momentos em que deixar a guarda um pouco mais baixa teria sido possivelmente interessante ou não. Aquele momento em que ter um pouco de fúria e dizer "não" teria feito a diferença - ou não. Aquele momento em que deixar os preconceitos de lado por um momento e oferecer um abraço poderia ter feito toda a diferença - ou não. Aceitar um conselho. Ligar o foda-se. Fazer um elogio. Dizer que ama. Ir adiante. Ter coragem. Compaixão. Sim. Já.

Sim, refletir sobre os momentos dopller é basicamente chorar sobre leite derramado. Coisa que gente que bebeu umas cervejas a mais faz tão bem. E eu já tomei bem mais do que umas a mais...

Acho melhor terminar por aqui enquanto ainda consigo digitar de modo mais ou menos inteligível.

Eu quase coloquei aquele vídeo do "do it!" do Shia LaBeouf pra ilustrar essa postagem, mas eu detestei transformers.
(além disso, nem todos os momentos dopller vêm de não realizar uma ação - algumas vezes não fazer algo também é uma ótima idéia, né, Shia?)