quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Esqueletos, Fantasmas e Caixões

Quantos caixões uma pessoa pode puxar vida afora? E quando esses caixões e que passam a puxar a pessoa em questão, e não o contrário?

Semre ouvi expressões como 'esqueletos no armário" e "fantasmas do passado" com um misto de curiosidade e cinismo. Claro, eu tenho minha cota dos dois tipos de mortos-vivos pra me assombrar, mas nunca considerei eles realmente um fardo. Eles estão lá, sempre espreitando nas frestas escuras, geralmente esperando serem esquecidos pra reaparecer, não posso negar. Algumas pessoas tem mais ou menos medo de se encontrar com seus esqueletos e fantasmas andando pela sala de estar. Outras têm assombrações tão perigosas que poderiam morrer do coração se forem forçadas à encarar de frente seus mortos-vivos.

Eu, pessoalmente, fiz as pazes com a maioria dos meus mortos-vivos. As vezes, alguém abre algum dos meus armários, e um dos meus esqueletos sai pulando com uma roupa de palhaço ou fazendo um truque de mágica cafona pelo salão. Eu aprendi a conviver com isso de forma saudável, e geralmente consigo até encontrar alguma graça naqueles números velhos que eles sempre apresentam quando a tal porta é aberta. Já dos meus fantasmas, admito que tenho um pouco mais de medo. Eles são bem mais sérios e sizudos. E apesar da maioria deles ficar tão escondida no sótão que a maioria das pessoas jamais vai conseguir encontra-los, as vezes, quando a casa está completamente vazia, um deles desce arrastando correntes pela casa. É um pouco assustador, preciso dizer.

Mas os meus piores mortos não andam por aí. eles estão bem mortos. Infelizmente, cada um deles está preso dentro de um sólido caixão de carvalho, amarrado á um cinto resistente e desconfortável que eu uso desde que me conheço por gente. Cada escolha ruim, cada decisão inadequada, cada palavra mal dita engrossa meu pequeno exército de caixões. E ao longo dos anos eu reuni caixões suficientes para  inveja à maioria dos cemitérios do novo mundo.

O problema desses mortos e que eles estão amarrados à mim. eles não ficam esperando pra me dar um susto ou fazer um truque bobo. Eles não assustam ninguém, na verdade. Mas eu ainda preciso carregar cada um deles. E cada nova decisão que enfrento pelo caminho é uma chance de aumentar o peso morto que eu carrego. Receio, inclusive, que cheguei em um ponto em que não sou mais capaz de arrastar meus caixões. Eles é que me carregam. E, claro, considerando o peso que representam, só há uma direção pra onde podem me puxar. E pra baixo é uma direção que se pode seguir sem parar, quando a força que puxa é infinita.

Em tempos recentes, eu tomei uma série considerável de decisões no mínimo questionáveis. Na verdade, não tenho feito muito mais nesses últimos meses do que acumular mais e mais caixões á minha carga. E tenho enfrentado algumas decisões importantes nesses dias que correm. E o peso morto tem feito um estrago terrível. Tenho tido tanto medo de tomar qualquer decisão, que até mesmo a dúvida entre seguir andando ou sentar em um dos tampos de carvalho e descansar um pouco é simplesmente impossível de tomar. É uma espécie bizarra de paradoxo de Schrödinger, já que não tomar uma decisão e uma decisão por sí só.

E sim, eu poderia, perfeitamente, pedir ajuda para algum passante para carregar parte do meu peso. Mas isso geralmente significa enfrentar alguns esqueletos e fantasmas do tal passante, e ajuda-lo a carregar seus próprios caixões também. E tenho escolhido pessoas que, me parece, estão com cargas demasiadas também. Ou isso ou o peso que venho carregando simplesmente não permite mais que eu avalie de modo satisfatório o peso morto das outras pessoas.

E, diferente dos mortos-vivos pessoais, nada adianta fazer as pazes com estes. afinal, eu vou seguir carregando cada um deles, não importa o quanto eu - ou o cadáver no caixão - estejamos conformados com isso. E de nada adianta pintá-los com cores engraçadas ou vestílos de palhaço também. Isso não alivia o peso de forma alguma.

Uma decisão tomada, afinal, não pode ser desfeita, tendo sido levada à cabo. Ela pode até ser alterada antes de chegar a tornar-se um novo caixão. Mas uma vez que tenha sido realizada, na prática, não há caminho de volta.

Graças à essa analogia, a cena de Monty Phyton e o Cálice sagrado que ilustra essa postagem nunca teve a menor graça pra mim. Ela sempre parece só mais uma decisão ruim.

Um comentário: