segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Review parcial - Brumas de Avalon



Recentemente terminamos de ler as Brumas de Avalon. Assim como fizemos com Romeo and Juliet, decidimos ler os livros da Marion Zimmer Bradley juntos, e não poderia ter sido uma experiência mais interessante. Só lamento o fato de não termos lido cada capítulo juntos - a distância por vezes obrigou-nos a ler alguns capítulos separados.

Não foi minha primeira leitura da obra, mas com certeza foi a mais intensa. É muito diferente quando lida com outra pessoa. A possibilidade de comentar os acontecimentos e decisões das personagens no momento em que essas decisões estão sendo tomadas e os acontecimentos estão se desdobrando torna a história mais vívida, permite uma reflexão maior sobre as vissicitudes da vida (das personagens e, em alguns casos, na nossa própria), como se aquilo estive realmente acontecendo alí, na nossa frente, e faz com que toda a história tome outra dimensão.

O ciclo arturiano não é novidade pra mim, e eu já lí e assisiti muitas obras sobre o assunto - desde Excalibur, o clássico filme baseado na obra de Sir Thomas Malory até o futurista Camelot 3000 - mas fiquei amplamente satisfeito por ter sido a primeira visão do mito pelos olhos da minha interlocutora. Como feministas convictos, a visão da história de Artur e sua Távola Redonda pelos olhos das mulheres da história, contada com maestria nessa obra, é o melhor ponto de partida para o conhecimento da obra. Imagino que para uma feminista, conhecer o Ciclo Arturiano a partir de qualquer versão da obra de Malory, seja filme ou livro, não criaria um interesse real pela história, mas começando peloa Brumas provavelmente gera um interesse em conhecer outras visões da obra.

Mas deixe-me comentar um pouco sobre minhas impressões pessoais sobre a obra, particularmente sobre os personagens masculinos centrais da obra.

Bradley demonstra n'As Brumas de Avalon todo o seu feminismo, sem vergonha alguma disso. Não apenas por ela dar ênfase nas mulheres que permeiam o mito, mas também pela fraqueza dos personagens masculinos. Todos os homens são fracos, quase patéticos, se comparados às mulheres poderosas e imponentes da obra. Talyesin - o Mago Merlim da lenda; Aqui, Merlin é um título druídico, não um nome próprio - é visto como um velho sobremaneira tolerante, na verdade quase um parvo. Ele usa de algumas palavras de sabedoria, que pontuarão a obra até o final, mas não tem nenhuma importância real em ponto algum da obra, já que essas suas palavras de sabedoria só terão realmente força e importância quando proferidas ou refletidas por alguma das personagens feminias, particularmente Morgana. Talyesin não é o mago enérgico que inspirou tantos outros personagens poderoso - como Gandalf - mas sim um homem velho, recurvado pelo tempo, e sem forças. Kevin, o segundo Merlim da obra, é um personagem que personifica a fraqueza masculina. Um traidor de corpo e mente retorcidos. Alias, desdobrar o Merlim da lenda original em dois personagens foi uma idéia inspirada da autora, pois apesar de ser um velho meio devagar, Talyesin constinua sendo um dos "heróis" da história, que se tivesse tomado as ações de Kevin na obra teria se tornado um anti-herói - na verdade, um vilão! - como acontece com o harpista Kevin. O próprio Artur, que embora seja provavelmente o mais notório "corno" das fábulas (não tem uma palavra menos chula pra corno? Nada me ocorre agora...), na versão da Bradley é um corno consciente, complacente e pior, concordante! Ele não só tolera a traição de Gwenevere com Lancelote como dá o aval pra que o ato carnal se consuma - numa passagem particularmente perturbadora da obra. Talvez seja um reflexo da tentativa da autora em criar uma situação "fantasia feminina" no desenrolar da trama, embora eu acredite pouco nisso. De qualquer forma, me deixou um pouco desconcertado, tanto quanto o fato de Lancelote monstra claros sinais de homosexualismo - que num momento de licidez, a autora não consumou de forma explícita. O mais interessante, no entanto, é que metade do "elenco" feminino da obra é apaixonado por Lancelote, e eu não consigo sequer imaginar o porque! Ele é pintado como um sujeito bonito - certo, MUITO bonito! - mas esperar que personagens como Morgana se apaixonem por um sujeito só porque ele tem uma boa aparência...? Lancelote se mostra indeciso, sem firmeza de caráter ou vontade, excessivamente subserviente à Artur e sem objetivos claros. Ele parece com uma versão medieval masculina da Merlyn Monroe, o que me faz pensar em porque a autora deu tanto "magnetismo" para o personagem. Mordred seria tudo aquilo que um Merlin deveria ser, mas infelizmente ele tem pouco foco na história, mas ele só começa a ser apresentado em sua totalidade quando a obra está chegando ao seu fim. Uther Pendragon também tem um papel muito mais desenvolvido nessa obra, e passa de simples vilão enganador - como visto na obra de Malory - à um rei plenamente desenvolvido, idealista e até mesmo carismático. Ele é tudo o que Artur deveria ter sido, mas não foi...

Há outros personagens masculinos interessantes na obra, particularmente aqueles que a autora criou, como Acolon, que é possivelmente o único homem que realmente defende a Antiga Religião na obra - Talyesin é muito tolerante com o catolicismo. Ele cria a visão masculina do druidismo na obra, e é o único homem com força de caráter suficiente para seguir plenamente seus ideais, até a morte. Se há um homem de verdade na obra, este homem é Acolon!

Por outro lado, as mulheres da história são maravilhosamente bem delineadas, cheias de dúvidas, cometendo erros e acertos e parecendo, muitas vezes, mais humanas do que muia gente por aí... Mas vou deixar para minha contraparte feminina deste Blog fazer uma apreciação sobre as mulheres das Brumas - tenho certeza que ela possui um entendimento muito maior sobre a questão da feminilidade, além de ser capaz de fazer uma crítica muito mais isenta do que a minha!

Enfim!

Termino essa "resenha" afirmando sem medo que As Brumas de Avalon é um retrato muito mais fiel do que a lenda de Artur poderia ter sido, se tivesse realmente acontecido no século XIV do que aquele mostrado em tom de conto-de-fadas escrito por Malory. Além de mostrar o moroso dia-a-dia das mulheres da época, possui um realismo muito mais paupável, com as nunaces da sociedade da época, não só dentro dos portões dos castelos, mas nos pequenos feudos afastados e entre os aldeões rústicos que não abraçaram os mandamentos da "santa" madre igreja tão prontamente - ou pacificamente - quanto se imagina quando se lê a versão excessivamente romatisada de Le Morte d'Arthur.